Em certo momento do filme, dois personagens despencam de uma grande altura e caem sobre o capô de um automóvel. Sem fôlego (e sem ferimentos), um deles se volta para o outro e pergunta: “Como você sabia que teria um carro aqui para amortecer nossa queda?”.
Pausa.
Pensem um segundo sobre esta fala. E relembrem a definição da palavra “amortecer”.
Esta, porém, é a lógica da franquia protagonizada por Vin Diesel, que, iniciada há inacreditáveis 12 anos como inspiração masturbatória para jovens machos obcecados por bundas e motores, ganhou uma continuação pavorosa dois anos depois até passar a ser dirigida por Justin Lin (do excepcional Better Luck Tomorrow) e melhorar razoavelmente – ao menos, em comparação com suas origens. Ainda assim, seis filmes dedicados a personagens que mal conhecem seis palavras é um exagero, o que explica o mergulho gradual da série no cartunesco e nas subtramas dignas de novelas que apostam em perdas de memória e em figuras que voltam à vida depois de aparentemente morrerem no capítulo anterior.
Mais uma vez roteirizado por Chris Morgan, cujos talentos dramatúrgicos vêm sendo emprestados a estes filmes desde o terceiro episódio, Velozes & Furiosos 6 traz seus heróis vivendo confortavelmente depois dos milhões roubados no longa anterior (o melhor da série, por sinal) até que a notícia de que Letty (Rodriguez) está viva inspira o grupo a se reunir para ajudar o agente The Rock (Johnson) a capturar o perigoso Shawn (Evans). A partir daí, o filme desenvolve uma trama cada vez mais absurda e complicada demais para uma obra estrelada por músculos – e não é à toa que o roteirista, ao tentar provar sua capacidade de contar uma história, acaba soando como um garotinho de 3 anos tentando resumir o que acontece emHamlet.
Assim, é curioso que os realizadores realmente pareçam acreditar que o público da franquia paga ingressos por se importar com os personagens e suas trajetórias – e os créditos iniciais desta continuação indicam isso ao recapitularem momentos “icônicos” dos filmes anteriores, soando mais como a sequência-título de uma série de tevê (a música de FRIENDS ficaria perfeita aqui). Porém, a história nunca foi o forte dos Velozes & Furiosos e o roteiro de Morgan comprova isso ao informar, por exemplo, que um evento importante acontecerá em apenas quatro dias e imediatamente ignorar que cada dia é composto por 24 horas ao enviar, neste meio tempo, o personagem de Paul Walker em uma longa e perigosa viagem que certamente envolveu preparativos complexos – o que não o impede, contudo, de retornar a Londres dentro do prazo. Da mesma maneira, a personagem de Gina Carano (que merecia algo melhor depois de A Toda Prova) é apresentada através de um diálogo dolorosamente expositivo, quando The Rock recita seu currículo desnecessariamente em uma das inúmeras falas pavorosas do longa (e esperem até ouvir a resposta de Vin Diesel quando Dwayne Johnson diz que “palavras como ‘anistia’ e ‘perdão’ deixarão de existir”).
Tentando ser engraçadinho sem ter a menor ideia de como provocar o riso (imaginem um filme do Casseta & Planeta estrelado por marombados), o roteiro chega a incluir uma longa cena na qual dois personagens se vingam de um britânico afetado e cujo plano final soa como uma daquelas piadas que, encerradas, deixam a sala toda num silêncio constrangedor. Em contrapartida, Chris Morgan conseguiu me fazer rir quando o agente The Rock, depois de deixar o vilão partir por algum motivo obscuro, diz: “Isso me deixa um passo mais perto de Shawn” – quando, segundos antes, tinha o sujeito sob sua mira, o que no mínimo indica que, na realidade, deu setecentos passos para trás ao vê-lo entrar no carro calmamente e ir embora.
Aliás, já que mencionei Dwayne Johnson, devo admitir que ao vê-lo em Velozes & Furiosos 6passei a temer por sua saúde, já que o sujeito parece prestes a explodir – e só a veia que percorre seu braço direito já é maior que o pescoço de Jordana Brewster, o que, suponho, não é lá muito natural. Ainda assim, Johnson continua a exibir um carisma inversamente proporcional à qualidade dos papéis que aceita, o que é uma pena. E se Vin Diesel permanece Vin Diesel (por algum motivo, ele chega a remover sozinho uma bala de seu peito, já que aparentemente ir ao hospital é coisa de gente fresca), isto é melhor do que ser Paul Walker, que continua a representar um vácuo mesmo em um filme que não exige uma grande presença cênica de seus atores. Enquanto isso, Michelle Rodriguez encarna seu tipo durão de sempre (e que, particularmente, acho incrivelmente sedutor), chegando a protagonizar duas cenas de luta com Gina Carano que se tornarão o sonho molhado de muitos marmanjos.
As sequências de ação, diga-se de passagem, são os elementos que tornam esta continuação assistível, merecendo destaque as duas que ocorrem no terço final da projeção: a primeira, envolvendo um tanque em uma rodovia, conclui num absurdo genial; a segunda, trazendo a pista de decolagem mais longa da história do Cinema (algo que Justin Lin reconhece numa divertida piadinha autocrítica ao fim da cena), traz ao menos quatro ou cinco ações paralelas que fariam D.W. Griffith sentir que seu esforço para desenvolver a técnica a partir de 1909, emA Corner in Wheat, finalmente valeu a pena. (Sim, citei Griffith num texto sobre Velozes & Furiosos 6. Também estou surpreso.)
Embora empalideça muito diante do capítulo anterior, este sexto episódio mostra-se divertido sempre que se entrega às suas absurdas perseguições, lutas e explosões – e, assim, é realmente uma pena que, entre estes momentos, os personagens julguem necessário abrir a boca. Com 40 minutos a menos, teria sido mais fácil aplaudir a idiotice contagiante da série.
24 de Maio de 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário